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Diário de Sorria

O processo de produção do disco SORRIA numa série de relatos poéticos

Boas vindas

Um diário é um caderno no qual escrevemos livremente a história que vivemos no tempo da realidade, na imensidão da intimidade. É um exercício de valorização do ser, do estar, do pensar sobre o que é estar vivo, nesta época, neste lugar, neste mundo.

(De certa forma, é assim que vejo a função do artista: escrever com som, cores, luzes, corpo, voz e palavras no diário da humanidade)

Pois bem, quando iniciei a produção do disco SORRIA, resolvi registrar minhas experiências e impressões ao longo de todo o processo - com toda sinceridade e poesia que ia captando em cada momento - e compartilhar esses relatos na minha página no facebook. Ia escrevendo e enumerando em capítulos, o que agora me permitiu reunir essas publicações e mantê-las preservadas e acessíveis neste meu canto da internet.

Normamelnte não gostamos que ninguém leia nosso diário, não é mesmo? Mas nesse sentido o "Diário de Sorria" é diferente, pois minha intenção foi abrir meu coração para envolver, nessa sublime história, cada um que viesse a se inspirar ou ser, por um instante, mais feliz ouvindo esse disco. 

Se você está aqui, é porque você já faz parte desse diário, então, seja bem-vindo(a) e boa leitura!

Capítulo 1: Concepção

14 de agosto de 2015

 

Nesta ensolarada manhã do inverno paulistano, fui registrar minhas canções inéditas, que vão fazer parte do terceiro disco da minha carreira, denominado "Sorria".

O trabalho de compilar as letras e partituras provocou em mim uma sensação muito gostosa, como se o disco estivesse sendo de fato concebido e, a partir de agora, entrando num processo de gestação.

Eu já tinha definido o título há algum tempo, mas vê-lo impresso sobre a mesa me fez pensar sobre que tipo de impacto esse título teria nas pessoas… “Sorria” é o nome de uma das canções do disco (discorrerei a respeito dela em uma outra publicação) e de certa forma, essa palavra resume um objetivo implícito na arte que eu faço...

Pois bem, lá fui eu com a minha pastinha à Biblioteca Nacional. A atendente (de costas) me chamou pra entrar na sala. Entrei desejando bom dia e ninguém respondeu. Tinha mais uns três atendentes, cada um em uma mesa, todos de cabeça baixa, ocupados com seus papéis. A mulher que me atendeu pegou minha pasta, checou a documentação, conferiu todas as folhas, tudo em silêncio, um silêncio mórbido… Até que eu perguntei: Nossa, mas vocês sempre trabalham assim tão silenciosos? Ela respondeu (sem erguer a cabeça): Sim, à tarde é que fica mais movimentado. Aí eu disse: Bem, é por isso que agora vocês estão aproveitando para curtir um silêncio né? Ela não respondeu. Aí ela me entregou o protocolo, explicou sobre o prazo e disse que estava tudo pronto. Antes de me levantar, perguntei (buscando os olhos dela): Qual o seu nome? E ela respondeu (sem olhar pra mim): Graça. Então eu disse (com a voz sorridente): Muito grata, Graça! E ela sorriu pra mim. Saí de lá com a sensação de missão cumprida.

Capítulo 2: Pra que compor?

21 de agosto de 2015

 

Todas as faixas do disco “Sorria” são de minha autoria.

Nunca gostei de assumir o título ou a função de compositora, acho pesado demais… Só sei que gosto de inventar.
Quando fico meio silenciosa, alienada, o pessoal aqui de casa já sabe, estou inventando. O que me impulsiona não sei se posso chamar de inspiração, às vezes mais parece uma necessidade psicológica. Eu costumo esquecer as coisas com facilidade por isso quando um momento se torna significativo pra mim já penso: tenho que fazer uma poesia ou uma canção! Às vezes é uma imagem que fixa na minha mente, feito uma fotografia, e aí quero uma trilha sonora pra ela… Tenho necessidade de contemplar e cristalizar minhas impressões e sentimentos, por isso componho. Tenho necessidade de dialogar comigo mesma, por isso componho. Tenho necessidade de cantar minha existência, por isso componho. Depois do processo todo, daquela solidão no esconderijo da mente (em meio a todos os sons e afazeres do dia-a-dia), de construir e desconstruir o quebra-cabeça da canção, de cantar mil vezes a obra até ouví-la de fora, surge um desejo de compartilhar, de estender esse diálogo para as pessoas, primeiramente para as que eu amo, as que tenho mais afinidade (sempre penso: nossa, essa o fulano vai adorar!) mas o sentimento fica ainda mais lindo quando imagino que essa canção, tão minha, pode ser de qualquer um, pode fazer parte da vida de uma pessoa desconhecida, que de alguma forma, é também um amigo na sintonia da canção.
Estou certa de que existem músicas lindas nesse mundo pra cantar, o mundo não necessita das minhas músicas! Eu é que necessito compor, deixar minha marca, usar a matéria dos meus sentimentos para me compor, no mundo.

Capítulo 3: Um belo arranjo

28 de agosto de 2015

 

Alguns dias atrás Alex Maia e eu gravamos um programa chamado “Vivendo de Música”. O entrevistador, pessoa sensível e humanista, deixou que falássemos livremente durante a entrevista e nos surpreendeu com uma pergunta: "Carol Andrade, o que Alex Maia representa pra você?" Uau! As palavras fugiram e só ficou uma: Amor!
Conheci o Alex há 18 anos atrás. Nosso primeiro encontro foi em frente de uma escola de música, enquanto aguardávamos os outros integrantes da banda. Na ocasião, nos apresentamos, trocamos algumas palavras e depois ficou um silêncio que logo o Alex preencheu cantando: “Ao meu redor está deserto…” E eu completei: “Você não está por perto e ainda está tão perto.” Sorrimos um pro outro e desde então foi assim, essa coisa de completar, esse amor embalado com música, o amor à música, a música como sustento, em todos os sentidos.
Assim como no “Outras mulheres”, os arranjos do disco “Sorria” estão sendo elaborados por ele. Apesar da minha imagem e o meu nome ficarem à frente, na capa do trabalho, o resultado é sempre uma fusão: Eu componho, entrego as músicas cruas, tocadas com meu violãozinho miúdo, e ele acredita na música, entra na minha viagem, coloca asas na canção e juntos voamos! Dessa forma seguimos casados num triângulo amoroso: Eu, ele e a Música! Não temos ciúmes um do outro, temos nossas crises, como qualquer casamento, mas, convivemos muito bem, num eterno aprendizado, inspirados pela vida, sempre apaixonados!

Capítulo 4: Sonho que se sonha junto

3 de setembro de 2015

 

Ontem aconteceu o primeiro ensaio das canções do disco “Sorria” com o Johnny Frateschi (baixista).
Conheci o Johnny em 2009, por indicação do querido amigo e parceiro de Jazz q. é blues (minha primeira banda), o baterista Vinícius Fernandes. Estávamos no início da elaboração do show “Outras mulheres”. O Vinícius ia fazer parte da gig também, mas acabou saindo. O Johnny ficou e ganhamos um parceirão!
O Johnny é um baita músico! Dizem que o som de um músico é reflexo da sua personalidade. Então, pensem numa pessoa gentil, generosa, bem-humorada, companheira, sincera, sensível e imaginem tudo isso em forma de som… A música do Johnny soa tão bem, tão linda! Ele tem o poder de se encaixar na engrenagem da canção e, com extremo bom gosto e nenhuma vaidade, enchê-la de vida graças à sua musicalidade incrivelmente intuitiva. 
Começar um projeto artístico é pegar uma longa estrada e partir para uma viagem sem previsões exatas, sem garantias, uma grande aventura! O projeto “Outras mulheres” começou assim e nos presenteou com um precioso edital do ProAc (que viabilizou o disco e vários belos shows) e uma turnê inesquecível (e muito divertida) pela Europa.
Vamos ver até onde iremos com o “Sorria”… Mas, pra ser honesta, por hora não estamos muito preocupados aonde iremos chegar. O que sabemos é que estamos felizes pela oportunidade da viagem, em boa companhia e a paisagem está adorável! 

Capítulo 5: De casa para o mundo

9 de setembro de 2015

 

Neste último domingo aconteceu aqui em casa o primeiro ensaio do disco "Sorria" com a "cozinha" completa: Alex Maia ao violão, Johnny Frateschi ao contrabaixo e o recém-chegado e muito bem-vindo, Vlad Rocha à bateria.
Adoro fazer ensaios em casa, receber os músicos, oferecer as boas energias do meu aconchego e fazer música sem pressa, sem preço. É bem verdade que a sala da minha casa não se compara a uma sala de estúdio e tem suas restrições, mas, como a realização desse disco não conta (ainda) com apoio financeiro, é preciso conter as despesas da pré-produção para não ter que economizar na gravação, mixagem e masterização, que serão feitas em um excelente estúdio e por engenheiros de som de primeira qualidade.
Sabe aquela frase: Quem quer dá um jeito, quem não quer dá uma desculpa. Pois bem, como queremos muito e contamos com a conspiração do universo, estamos nos ajeitando. Não para fazer de qualquer jeito, é claro, mas, com o indiscutível talento e profissionalismo de cada um, fazer bonito! 
Eu pessoalmente, gosto muito das produções que preservam algo de caseiro pois são autênticas e refletem o toque das mãos, a especialidade e dedicação do artista no trato com a obra... Carinho de casa para o mundo!
P.s: Aproveito para agradecer a gentileza dos meus vizinhos que nunca reclamaram do nosso "carinho"! 

Capítulo 6: Retórica

17 de setembro de 2015

 

A gente compõe, ensaia, grava, faz shows, com a certeza de que está vivendo a nossa verdade, oferecendo ao mundo o que nos dá prazer, transformando em arte o nosso coração. Aí, pra se inscrever num edital ou apresentar o projeto para um produtor ou programador, temos que explicar, justificar, provar pra todos que o que fazemos tem significado, tem relevância cultural e importância histórica.
Retórica! Isso é muito difícil para um artista. A gente não quer explicar, quer cantar e não estamos tão seguros de que somos importantes, apenas que somos e ponto.
Mas, como tenho vindo a este diário falar sobre a produção do disco "Sorria" e com isso contemplar e saborear cada conquista, cada etapa desse processo, penso que posso exercitar aqui esse trabalho de descrição da minha obra, que é de fato necessário para convencer quem não me conhece a aventurar-se a ouvir minhas canções e a partir daí sentir ou entender por si só o grau da minha importância.
A diferença é que num diário a gente pode contar segredos, detalhes da inspiração, sutilezas da criação, livre de julgamentos e destinos específicos, coisa que na descrição de um projeto não cai bem, não funciona. 
Aqui meu papo vai ser sobre coisas "desimportantes" que nutrem minha alma e me transbordam em arte. Depois eu faço a "mercadosíntese" necessária pra criar um release interessante e objetivo.
É isso aí! Aguardem os próximos capítulos que chamarei de "Por dentro da canção"! 

Capítulo 7: Por dentro da canção "Sorria"

23 de setembro de 2015

 

Há uns 4 anos atrás, num ensaio fotográfico para o disco "Outras mulheres", ao perceber que sempre que fazia uma pose eu sorria, o Alex me fez uma pergunta: "Por quê você sorri?" O questionamento dele foi para me estimular a buscar outras expressões, mas essa pergunta ficou ecoando na minha mente para além desse dia...
Creio que meu sorriso fácil e despretensioso vem de berço. Tenho uma mãe e um pai risonhos e minha infância e adolescência foram regadas com muito amor e largos sorrisos.
Há 14 anos pratico o Budismo de Nitiren Daishonin e sou membro da Soka Gakkai, uma organização de leigos budistas que tem como mestre o humanista, filósofo e poeta laureado, Sr. Daisaku Ikeda. Em várias orientações ele fala sobre o poder do sorriso e uma frase dele me inspirou a encontrar a resposta àquela pergunta do Alex: "O sorriso embora possa ser o efeito da felicidade, é mais apropriado dizer que é a causa para felicidade ".  
Isso! É exatamente isso! Não preciso de um motivo para sorrir. Sorrio, logo sou feliz! E esse gesto, tão simples, é o melhor que posso oferecer e certamente inspira felicidade.
Inspirada pelos meus pais, meu mestre e todos meus amores sorridentes escrevi a letra de "Sorria" e, num exercício de composição que muito me estimula, li os versos várias vezes até que do som e sentido das palavras surgisse a melodia e a harmonia que levaria a canção (e o meu sorriso) direto ao coração das pessoas.
O Alex fez um arranjo lindo, todo serelepe, que ficou ainda mais bonito e criativo com o baixo do Johnny e a bateria do Vlad. Neste domingo gravaremos um vídeo com essa música. Assim que estiver pronto compartilharei com vocês para que apreciem, compartilhem com os amigos e cantem junto, em meio ao vosso dia-a-dia, para sempre lembrar do gesto que nos faz feliz! :)

 

SORRIA

Sorrio
Pra mostrar o meu melhor
Pra arrancar o seu sorriso
Pra espantar a minha dor
Seja como for, sorrio
Pra mostrar o meu melhor
Pra arrancar o seu sorriso
Pra espantar a minha dor
Seja como for
Sorrio só porque é preciso

Sorrio pra expandir a face
Quebrar as rudes máscaras
Sorrio só pra apresentar os dentes
Sorrio até cair na gargalhada
Brincar com o diafragma
Sorrio só pra arejar a mente

Sorrio por nada
Sorrio por nada
Sorrio só
Sorrio
Porque sou gente

E gente é pra sorrir... Sorria!

Foto de Marcos Costa

Capítulo 8: Por dentro da canção "Canto de Cachuera"

1 de outubro de 2015

 

Em maio deste ano, Alex Maia e eu fomos fazer dois shows em São Francisco Xavier, no encantado e aconchegante Photozofia.
Chegamos na cidade, que é também encantadora, perto da hora da passagem de som. Depois fomos descansar da viagem e nos preparar para fazermos um belo show. A hospedagem aonde ficamos é bem próxima ao local então, alta noite, fomos e voltamos a pé, observando a lua e as estrelas que pareciam estar mais iluminadas e perto da gente naquela cidade montanhosa.
A cidade tem um defeito, (se é que assim podemos chamar) não pega o sinal da “Claro”. Portanto estávamos sem conexão. Inicialmente isso nos incomodou, estranhamos muito. Percebemos o quanto estávamos viciados em manter contato pelas redes sociais e parecia que estávamos perdidos no tempo, esquecidos por todos. Mas, aos poucos fomos gostando disso e encontrando outra conexão… O tempo começou a andar devagar e nossos sentidos ficaram mais aguçados: ouvíamos o barulho dos grilos, dos pássaros, do silêncio, o cheiro da noite, o gosto da comida, o frio diluído pelo calor dos corpos juntos...
No segundo dia tínhamos o dia todo livre até o horário do show, então resolvemos ir conhecer melhor a cidade. Caminhamos, visitamos a pracinha, compramos mel puro, comprei uma blusa feita à mão da própria tricoteira para ser o figurino do show “A linha e o linho" e por fim fomos visitar uma cachoeira.
A caminhada até a cachoeira é sempre muito instigante: Você vai descendo e o barulho da água vai se intensificando, o ar fica mais úmido e fresco, a gente vai adentrando na mata como se estivesse atravessando um portal e de fato, quando você se vê diante de toda aquela água parece que está em outro mundo! O som é intenso e contagiante, nos deixa sem palavras e também mesmo que quiséssemos dizer algo não seríamos ouvidos. O canto da cachoeira é hipnotizante, revitalizante, arrebatador!
Percebi que algumas pessoas chegavam por ali, tiravam uma “selfie" e já iam embora. Nós não. Ficamos lá por quase uma hora. Sentamos numa pedra com os pés descalços (cabe dizer que estava muito frio e era inviável tomar banho) e ficamos ali, esquecidos. Meditei, contemplei os variados tons que o sol nos presenteava, presenciei o vôo das folhas das árvores durante uma surpreendente ventania e acompanhei o pouso tranquilo até a água, chorei…de felicidade! Foi um momento inesquecível e eu não queria que acabasse, queria levar aquela cachoeira comigo. Quando estávamos totalmente entregues e integrados àquele ambiente fizemos a nossa "selfie" e fomos embora, leves e iluminados. Fizemos um show maravilhoso naquela noite. Voltamos para São Paulo extasiados!
Uns dez dias depois dessa experiência, estava eu dirigindo no trânsito às margens do concretado rio Tietê e me veio à cabeça a letra e melodia, tudo junto, de um refrão. Não, eu não conhecia aquela música. Ela ainda não existia. Cantei várias vezes no carro, gravei no celular e quando cheguei em casa tratei de fazer as estrofes que se desenrolavam naturalmente na minha cabeça. No mesmo dia a música estava pronta. Cantei com o meu violãozinho até cansar. Cada vez que cantava era tomada por aquela emoção que eu senti em São Francisco Xavier… É, eu tinha encontrado uma maneira de levar em mim aquela cachoeira e melhor, poder compartilhá-la com todos. 

CANTO DE CACHUERA


Na cachuera
Cá na cachuera ouvi chuá
Ouvi chuá cantar
Na cachuera
Cantar chuá ouvi
Na cachuera

Essa vida que desliza
Traz o tempo que não para
Cai o véu na pedra escura
É montanha de água clara
Leva folha ressecada
Pelo sonho passarinho
Voa ao vento, vira asa
Pousa ao canto de cachuera

Sob o véu da correnteza
Moram rochas infinitas
Já foram bolas de fogo
Hoje chão de águas frias
Não se amolam com as pancadas
Sonham um dia ir pra areia
Dançar junto com as águas
Ao som do canto de cachuera

O canto me arrebata
A lágrima insiste em molhar
É doce viver a mata
Levar em mim cachuera
E serenar meu cantar


Na cachuera
Cá na cachuera ouvi chuá
Ouvi chuá cantar
Na cachuera
Cantar chuá ouvi
Na cachuera

Capítulo 9: Luz, câmera... Sorria!

9 de outubro de 2015

 

Eu sempre andei bem acompanhada por fotógrafos incríveis. 
No começo da minha carreira, bem no comecinho mesmo, contei com o apoio muito carinhoso de André Esquivel, um excelente fotógrafo, amigo querido, que foi responsável pelos registros fotográficos das nossas primeiras aventuras no palco, em estúdio, em disco. Foi ele quem fez a belíssima foto da capa e a arte do disco “Vida Adentro” (2006)
No mesmo período da produção desse disco, conhecemos o Maurício de Paiva, fotógrafo inspirado, aventureiro, cheio de poesia no olhar. Boa parte das fotos do encarte do “Vida Adentro" é dele e ele também foi o fotógrafo oficial da nossa turnê com o show “Outras mulheres” pelo estado de São Paulo.
As fotos da capa e encarte do disco “Outras mulheres” (2013) são de Marcos Gonçalves. Fotos lindas que expressam a paz e o bem-estar que ele me proporcionou durante o ensaio fotográfico que fizemos numa graciosa manhã de domingo nas ruas da Vila Madalena e do Bexiga.
Agora, estou cada vez mais apaixonada pelo olhar doce, delicado e criativo da talentosa fotógrafa e amiga muito querida, Anaryá Mantovanelli.
Conheci a Nana, como a chamamos carinhosamente, aqui no condomínio onde moro. Embarcamos juntas na aventura de síndica e subsíndica. Passamos por maus bocados nessas funções mas, agradecíamos todos as encrencas quando lembrávamos que foi graças a essa situação que nos aproximamos. A gente sobe o elevador, cruza pelos corredores e portarias e não tem a menor ideia de que somos vizinhos de pessoas muito especiais, dotadas de tamanho talento e sensibilidade. Conhecer a Nana pra mim foi uma grande boa sorte da vida!
Ela nunca tinha trabalhado com artistas, com shows e ficava sempre se esquivando de trabalhar comigo. Mas foi na ocasião do show “A linha e o linho” que refiz o convite e ela topou. O resultado foi incrível! Eu fiquei encantada com a órbita que ela captou, com os ângulos, as cores, o amor… Sim, a Nana coloca muito amor nas fotos porque fotografar pra ela é mais que uma profissão, é uma maneira de manifestar o amor, é uma forma de contemplar a vida e agradecer por estar vivo.
Por tudo isso e muito mais me afinei com a Nana e desde então ela veio fazendo alguns ensaios comigo e eu tenho, cada vez mais, adorado o trabalho dela.
Quando projetei o disco “Sorria” já sabia quem faria as fotos. Sabia também que não queria um encarte só com a minha imagem. Queria que o encarte fosse uma exposição de fotos que se harmonizassem com as canções, com a proposta do disco.
“Xiiiiss!" é uma das expressões que usamos para abrir o sorriso no instante da fotografia. O sorriso que é um símbolo da felicidade absoluta que existe em nós, expressão contagiante e inspiradora que pode ser eternizada em um retrato. Com essa reflexão em mente, convidei a Nana para entrar comigo no projeto do meu novo disco e montar uma "exposição de sorrisos" das mais diversas pessoas, em vários pontos da cidade de São Paulo, para compor o encarte. Quero que as pessoas possam ouvir o disco enquanto contemplam a beleza humana que brota em meio ao concreto da paisagem urbana e que é a nossa maior riqueza.
Estamos ainda buscando as locações, ajustando as estratégias, mas em breve iniciaremos esses ensaios em busca de "gente fina, elegante, sincera" e sorridente pelas ruas da cidade. Quem sabe o fotografado seja você… Sorria! 

Capítulo 10: Respeitável público

22 de outubro de 2015

 

Dedico esta página do Diário de Sorria em agradecimento a todas as pessoas que têm compartilhado os vídeos de divulgação do projeto SORRIA. Vocês não imaginam o alcance desse gesto!
Posso sentir a empatia, o carinho e a torcida de cada um para que a minha arte seja difundida, apreciada, reconhecida. Sinto e sorrio agradecida, com a sensação de que estou no caminho certo e muito bem acompanhada.
Aparecer na TV, tocar na rádio, sair numa matéria no jornal muitas vezes é resultado de um investimento considerável em assessoria de imprensa, investimento esse que não disponho neste momento. Em contrapartida, mesmo aqueles que dispõem desse recurso podem ter dificuldade de inserção nesses meios de comunicação simplesmente pelo fato de que os espaços destinados à divulgação da música brasileira têm apostado ou nos medalhões da MPB que já têm um público garantido ou nos estilos que estão “na moda", nos sucessos que envolvem a massa e que por essa razão atraem mais patrocinadores. Infelizmente esse é o mundo dos negócios da música.
Eu não faço parte desse mundo, e nem quero fazer. É claro que tenho o desejo de ter meu trabalho divulgado na grande mídia, especialmente em programas de rádio e TV que eu aprecio muito e que são verdadeiros oásis no cenário cultural atual, mas definitivamente não faço minha arte pensando em agradar ou conquistar nenhum patrocinador. Faço arte pela força que ela tem na minha vida e pelo seu indiscutível potencial de transformar positivamente a vida das pessoas. Faço arte para compartilhar o que cabe em mim e para que esse tanto não se acabe.
Por tudo isso, quando vejo tantas pessoas compartilhando minha arte, só posso me emocionar e agradecer muitíssimo. A grandeza de um artista se mede pela consideração e o respeito do seu público. Me comprometo a me aprimorar a cada dia e oferecer o que há de melhor e mais sublime a vocês, meu querido e respeitável público!
Antigamente as coisas eram ainda mais difíceis para os artistas, hoje os tempos são mais democráticos, viva a era da internet! Há quem fuja do facebook dizendo que só tem bobagens e que é perda de tempo… Eu não vejo desta maneira. Acredito que são as pessoas que movem o mundo portanto são as pessoas que atribuem valor e qualidade ao tal mundo virtual. Eu só tenho a agradecer pela existência das redes sociais pois, graças a essa ferramenta, tantas pessoas especiais puderam chegar até a mim e se aconchegar no meu mundo. Antes era no boca a boca, agora é de "face" para "face", mas, o que importa é que nunca deixe de ser de coração para coração!
Muito, muito obrigada, meus queridos!!! 

Capítulo 11: Sorria na Paulista

16 de novembro de 2015

Iniciamos a série de ensaios fotográficos pela cidade de São Paulo. Escolhemos, pra começar, um dos cartões postais: a Avenida Paulista!
Fizemos isso não somente porque é uma locação fantástica mas porque recentemente a avenida foi interditada para os carros aos domingos fazendo daquele espaço grandioso e significativo um belo parque urbano, área de convivência, ponto de encontro repleto de calor humano.
O dia amanheceu chuvoso e a gente já estava quase desistindo de ir, mas pensamos melhor e resolvemos arriscar apostando nas possibilidades de abertura que o aplicativo de previsão do tempo mostrava.
Estacionamos na Fnac que tem saída para a Paulista de frente para a Gazeta. 
A chuva não parava. "Será que vai ter gente?" Assim que saímos nos deparamos com uma galera pulando corda. Ficamos de longe, protegidos num ponto de ônibus, olhando e ouvindo a conhecida musiquinha: "Senhoras e senhores, põe a mão no chão, senhoras e senhores, pule num pé só, senhoras e senhores dê uma rodadinha e vá pro olho da rua!"
O Alex e o Eder (também fotógrafo, marido e parceiro da Anaryá) pegaram o guarda-chuva, foram "pro olho da rua" e fizeram os primeiros cliques. Começava então a magia do "Ensaio de Sorria". 
Eles fotografaram um moça chilena que estava pulando corda. Sabíamos que era necessário a autorização do uso da imagem e levamos conosco um termo para isso, então, além de fotografar as pessoas, tínhamos que conversar com cada uma e explicar sobre o projeto. Batemos o maior papo com a moça, que é arquiteta e estava muito feliz com aquela ocupação da Paulista. Ela assinou o termo com prazer, desejando sorte e se sentindo parte valiosa da cidade e do nosso projeto.
Nos aproximamos mais do pessoal que lá estava: tinham cachorros correndo livres, adultos e crianças jogando queimada, brincando de bambolê... Era uma visão linda e paradoxal - na avenida onde costuma-se andar rapidamente de cara séria, preocupados com o trânsito, estavam lá pessoas livres, radiantes, sorridentes! Elas faziam parte de um movimento chamado "Nossa cidade" que estava apoiando a iniciativa da prefeitura de interdição da Paulista aos domingos já que existe outros grupos contra mais o Ministério Público que tem multado a prefeitura em R$ 50.000,00 a cada domingo.
Assinamos o abaixo-assinado deles e eles nossas autorizações. Trocamos assinaturas, histórias e boa sorte!
A caminhada no meio da avenida nos proporcionou mais sorrisos, inclusive o meu... Pude sentir uma forte conexão com a minha cidade e seus paradoxos (tão inspiradores) - o quanto tudo isso se reflete na arte que eu faço e o quanto minha arte pode refletir nisso tudo... 
A chuva quase não dava trégua, mas não tinha a menor importância se o céu estava fechado pois a beleza estava na cidade que SORRIA!

 

Foto de Anaryá Mantovanelli

Capítulo 12: Por dentro da canção "Alegre Sertão"

24 de novembro de 2015

 

Sou filha de São Paulo. Nasci e cresci nesta cidade, mas, um lado da minha família - avós, pai e tios - veio do Piauí. As histórias desses meus familiares sempre me fizeram imaginar como é a vida no sertão e de certa forma eu me considero meio sertaneja, sinto essa ancestralidade, carrego esse sotaque.
Meu avô contava sobre sua terra com os olhos brilhando, era nítido o seu desejo de voltar. Mas, por quê não voltou? O que fez ele e toda família partir foram as privações e dificuldades da vida no sertão nordestino, mas, depois de tantos anos longe, o que fazia meu avô querer voltar? 
Na canção "Asa Branca" o autor narra a saga de um nordestino que desesperado pela seca resolve partir deixando tudo, inclusive sua amada, Rosinha. Em uma das estrofes ele diz: “Hoje longe muitas léguas, numa triste solidão, espero a chuva cair de novo pra eu voltar pro meu sertão”. Será que ele voltou? E a Rosinha?
Sentada numa calçada das ruas de São Paulo, aguardando o Alex sair da sua aula de harmonia com o maestro Cláudio Leal, estava eu pensando sobre a vida na cidade grande. Um calorão danado e o chão de asfalto "qual fogueira de São João". Nenhum riacho pra se refrescar ou pra contemplar, poucas árvores pra se esconder do sol ou pra subir e pegar fruta docinha no pé e nem sequer tempo pra isso... Afinal, aqui tempo é dinheiro. Mas eu pergunto: Quanto dinheiro precisamos ter para poder desfrutar o nosso tempo de vida com plenitude e pertencimento à cidade onde vivemos?
Com tudo isso na cabeça fiz "Alegre sertão". A canção é como se fosse uma carta da Rosinha de "Asa branca" chamando seu amor pra voltar, se desvencilhar dessa engrenagem maluca e megalomaníaca do "ter" para retornar à terra que de fato pertence o seu coração e juntos, plantar e colher a alegria do "ser tão".

ALEGRE SERTÃO
 

Vem s'embora, vem moreno
Deixa dessa vida doida
Largue todas suas roupas 
Vem pisar naquele chão
Que não tem mais nessa cidade não

Inda agora os passarinhos 
Se espalharam na varanda 
Entoaram belos mantras
Sonora jubilação 
Que não tem mais nessa cidade não

Aí não dá pra parar
Tem que se multiplicar
Descanso é preguiça
Estão em busca de um melhor padrão de vida mas vivem na correria 
Quem pode desfrutar?

Querem se modernizar
Se globalizar
O mundo importar
Quem foi que disse que pode mesmo ter tudo?
Afinal tudo não cabe num só lugar 

Vem s'embora, vem moreno
Abre mão das tuas coisas
Vem provar daquela fruta
Banhar-se no ribeirão
Que não tem mais nessa cidade não

Pois aqui não falta nada
Se colhe o que se planta 
Vez em quando a terra seca 
Vez em quando é o coração
Vem cá pra alegrar este meu sertão.

Capítulo 13: Sorria na feira

8 de dezembro de 2015

 

Aqui em casa todo sábado é dia de feira. Frequentamos uma bem perto da nossa casa. Como trabalhamos aos sábados, precisamos ir bem cedinho e por essa razão pegamos a feira mais vazia, os alimentos bem fresquinhos e os feirantes muito bem humorados. A compra é sempre muito agradável e saímos levando as sacolas cheias de saúde!
A feira é um comércio rudimentar que resiste em tempos de hipermercados "friamente" bem estruturados. Diferente de outros estabelecimentos comerciais o feirante trabalha ao ar livre e o seu "lugar ao sol" é bem ao lado do outro, o que faz com que a simpatia seja o principal atributo de um feirante e diferencial para atrair a freguesia. Apesar do evidente interesse de cada um em “vender o peixe" o relacionamento humano na feira é outro: tem tempo pra piada, conversa fiada, pechincha afiada e boas risadas. Toda essa energia merecia entrar para os ensaios fotográficos do disco SORRIA.
A locação é sem dúvida um prato cheio para um fotógrafo: A luz do Sol passa pelo filtro das barracas de lona e acende delicadamente as diferentes cores das frutas, legumes, verduras. Esse cenário bonito se harmoniza com toda a gente boa que lá protagoniza e destaca os variados tons de pele, os corpos fortes e dispostos e os sorrisos verdadeiros e gratuitos - frutos de quem tem fé na terra e vive dignamente do milagre do trabalho de todo dia-feira.

Capítulo 14: Por dentro da canção "Flor do campo"

8 de janeiro de 2016

 

Tem artistas que ficam mais inspirados quando estão tristes. Eu não. Quando estou imersa na tristeza me sinto cega, surda, muda, desafinada. Consigo escrever, mas geralmente não gosto do resultado e jogo fora. Enquanto o sentimento não sai de mim não tenho como enxergá-lo e falar sobre ele é o mesmo que descrever a mobília de uma casa escura... Tudo não passa de ilusão de ótica e não tenho o menor desejo de compartilhar essa duvidosa visão.
Assim como um local que tenha sido escuro durante milhares de anos torna-se imediatamente claro com a presença da luz, a tristeza só existe na escuridão e basta um facho de luz para a felicidade se revelar.
Um dia em que eu estava triste uma pessoa muito especial me falou: "A sua tristeza é uma, mas olhe tudo a sua volta: as flores, o céu, as pessoas que te amam e que você ama… São tantas, tantas alegrias!" Isso me tocou profundamente, me iluminou. Percebi o quanto a tristeza é um sentimento egoísta e abri meus olhos para a felicidade que estava dentro e diante de mim.
Dessa conversa, de importantes reflexões e meditações nasceu "Flor do campo", uma canção amiga que gosto de cantar nas horas que os olhos nublam e a mente se perde do coração. Ela fala da tristeza, mas, em três estrofes distintas, mostra uma rota de autoconhecimento - sofrimento, compreensão e iluminação - que dá a ela um fim. 
Mas, tristeza tem fim? Talvez não. O fato é que ela sempre cessa quando a felicidade recomeça e a transformação se sucede de dentro pra fora, no modo de olhar.

Com amor, ofereço esta "Flor do campo” (que estará no disco SORRIA) pra nos iluminar!

 

FLOR DO CAMPO

Molho meus olhos
E sinto a devastação
Fecho meus olhos
E acendo a escuridão
Que me cegou e me deixou tão só
Tão só

Seco meus olhos
E rego o que não morreu
Olho meus olhos
E enxergo o que se perdeu
O que deixei passar da minha visão
Sem contemplação
Como acreditei na minha razão
Triste ilusão

Abro meus olhos
E vejo as cores de então
Colho as flores e entrego
A quem me escolheu
Como uma flor do campo
Que alguém te deu
São tantas flores mas é só um amor

Só um o amor

Capítulo 15: Sorria na São Joaquim

+ Por dentro da canção "Margarida"

19 de janeiro de 2015

 

Você já ouviu falar da Associação de Apoio à Maturidade São Joaquim?
Pois bem, eu só ouvia falar (e muito) pela minha mãe. Já faz uns 5 anos que ela frequenta esse lugar e eu desejava muito conhecer essa associação que fez minha querida mãe nascer para uma saudável, prazeirosa e criativa terceira idade. Trata-se de um espaço que oferece gratuitamente aulas de artes manuais, música, cuidado fisioterapêutico e psicológico e, sobretudo, belas propostas de convivência para pessoas com mais de 50 anos. Quando decidimos fazer os ensaios fotográficos de Sorria foi um dos primeiros espaços que pensei em visitar - estava certa de que encontraria pessoas lindas nesse precioso lugar que reacendeu o sorriso de menina da minha mãe, mesmo em meio a momentos de tristeza e dificuldades que vivemos.
Chegamos na "casa azul" e já nos encantamos com o que vimos: um lugar amplo, bem arejado, uma construção de extremo bom gosto e simplicidade, repleta de calor humano e rodeada pela exuberância da natureza que minha mãe nos apresentou toda orgulhosa como se fosse a sua própria casa.
O dia que fomos era uma dia especial pois a principal responsável pela associação estava fazendo aniversário. Todos estavam ansiosos pela chegada dela com bolo e tudo. Quando ela chegou aconteceu algo que me deixou maravilhada: "Crianças" de 60, 70, 80 anos ou mais fizeram uma roda, uma ciranda em torno da aniversariante e ficaram cantando uma cantiga bonita e bastante animada. Eu estava ajudando a Anaryá segurando a segunda lente da máquina mas não resisti, entrei na roda! Dancei, cantei, me envolvi no abraço coletivo e pude presenciar, bem de perto, os sorrisos mais lindos que eu já tinha visto na vida... Saí dessa roda leve, livre, rejuvenescida!
Estava tão encantada que, sem combinado nenhum, acabei oferecendo meu canto. Cantei, com o coração transbordando gratidão, a canção "Maria, Maria" para homenagear a nobre aniversariante, as mulheres todas (cozinheiras, profissionais da limpeza e saúde, musicoterapeuta) que trabalham lá e principalmente minha amada mãe, uma mulher cheia de graça e de luz que me ensina, com a própria vida, a arte de ser humana e ser flor, ser forte e sorrir. 

 

MARGARIDA

Ela tem um riso gostoso
Ela tem a voz de veludo
Ela tem mãos arteiras 
Costura, tricota, borda 
Inventa moda
Capricha em tudo
Quando cozinha 
Perfuma a casa inteira
Quer conquistar todo mundo 
Enquanto tempera, canta
Enquanto nos espera, canta
Conversa com as plantas
E o jardim dela é mais bonito
Pois ela é mãe das flores
E a minha preferida
Ela é a minha mãe
Minha amada Margarida

Capítulo 16: Por dentro da canção "Valsarás"

01 de fevereiro de 2016

 

Há poucos dias faleceu um excelente músico brasileiro muito querido por todos que conviveram com ele. Ele tinha apenas 53 anos de idade. Eu não o conhecia pessoalmente, mas fiquei consternada com a notícia e acompanhei, emocionada, as manifestações de carinho de seus amigos pela rede social.
A morte de uma pessoa querida é um acontecimento muito forte que abala o coração de todos. Sabemos que somos mortais mas quando essa verdade se consuma em nossa vida é difícil aceitar, é difícil entender. Uma infinidade de perguntas pululam em nossa mente: "Como assim?" "Como seguir em frente?" "Já que a morte é o destino, qual o sentido da vida?" "O que realmente importa?" "Como desfrutar plenamente da minha fugaz existência?"
Há dez nos atrás minha mãe recebeu a notícia de que seu irmão mais novo tinha falecido. Desde que eu me entendia por gente eu sabia que ele era alcoólatra e lamentava muito a condição que ele vivia pois, quando não estava embriagado, era uma pessoa maravilhosa, inteligente, talentosa e muito amável. No entanto, todas essas qualidades pareciam estar sendo corroídas (tal qual o seu fígado) pelo álcool e eu nunca consegui imaginar meu tio antes de estar imerso nesse vício tenebroso.
Por essa longa história de uma vida a definhar, a notícia de sua morte não foi recebida com surpresa, mas, certamente, com tristeza. Especialmente pela minha mãe que, para lembrar dos momentos felizes com o irmão, nos contou que quando jovens os dois viviam indo juntos para os bailes. No total da família eram sete irmãos mas eles dois tinham nascido bem próximo um do outro, tinham diferença de um pouco mais de um ano. Ela disse que eles eram dois "pés de valsa", que dançavam muito bem juntos e que ele era um grande companheiro dela nesses bailes.
Foi muito bonito ouvir minha mãe contando isso. Abriu-se para mim uma visão nova sobre o meu tio: Vi ele jovem, sadio, cheio de sonhos e esperanças, cheio de vida! Imaginei a vida como o salão, as pessoas que amamos como nossos pares e a música no papel de nos inspirar, conectar, envolver, conduzir... Nesse contexto, a morte seria só um descanso para retomar aquela bela dança numa próxima canção.

Desse sentimento nasceu "Valsarás", um olhar terno sobre a vida e a morte em forma de canção. Ela vai estar no disco SORRIA num arranjo esplendoroso para violão e voz de Alex Maia.

 

VALSARÁS

Flutuar na emoção
Compreender os sinais
Valsarás nas horas
No tempo que vai

Descolar nossas mãos
Pode ser um final
Mas tem mais, à frente
Na mente, pra sempre

Noutra canção
Noutro lugar
Respirar o vento
Só pra descansar
Preparar os passos
Pra que em outros pés
Possam voltar

A bailar no salão
Segurar o seu par
Valsarás no tempo, na vida
Que vem e que vai

Capítulo 17: Por dentro da canção "Homo Sapiens"

08 de março de 2016

 

Trabalho feito. Fim das gravações. Já tenho o disco mixado em minhas mãos, só falta a masterização e aí é mandar para a fábrica copiar.
Não há mais nada a ser feito ou desfeito... Seria isso o que chamam de perfeito? Não, claro que não.
Ouvir o disco aqui sozinha é vez em quando ficar caçando defeito, ficar pensando: "Será que meus mestres vão aprovar? Será que o público vai realmente se encantar com uma obra autoral? O que os críticos vão dizer a respeito?" É encher a cabeça de inúteis "caraminholas" que acabam tomando o lugar do que realmente importa: o objetivo, o ponto primordial. 
Curioso né, por que sentir isso? Esse disco foi desenhado desde o início com tanto amor, com tanto senso de missão! Lembro de cada momento que fiz cada canção, o cuidado para selecioná-las, a magia dos arranjos sendo feitos pelo Alex, a maneira mística e fluente como os músicos foram se agregando ao trabalho, os ensaios, as gravações, o ouvido atento na mixagem... Nossa! Tanta coisa boa vivida e envolvida! 
É, viver é equilibrar-se numa corda bamba. É necessário apoio, preparo e diariamente nutrir-se de coragem e sabedoria para não ser derrubado por quem menos esperamos: nós mesmos!
Um dia eu estava indo trabalhar de metrô aqui em São Paulo e em meio a um vagão cheio de pessoas (era umas 5 da tarde, horário de pico) ao invés de ficar incomodada com a lotação pude experimentar um sentimento muito bom de conexão com todos naquele lugar. Olhava cada pessoa e conseguia perceber a grandiosidade da vida humana: homens e mulheres dotados de sonhos, ideais e um potencial incrível para realizar coisas, fazer a diferença. Percebi que o valor de uma pessoa não pode ser medido pelo poder financeiro ou pela fama mas o quanto essa pessoa é capaz de influenciar, inspirar, transformar positivamente a vida de outras pessoas e quando ela vive dessa maneira não significa que ela seja especial ou melhor que as demais, mas sim que foi capaz de conectar sua vida numa engrenagem maior que lhe permitiu ir além das fronteiras do "eu mesmo". Com tudo isso em mente, abri o caderno e escrevi a letra de "Homo Sapiens" no intuito de registrar essa preciosa visão e posteriormente compartilhá-la em forma de canção. 
Pois bem, agora me encontro aqui diante de uma pequena Carol balançada por dúvidas e inseguranças e em minhas mãos um disco grandioso com o poder de inspirar vidas! Me ponho a ouvir "Homo Sapiens" e a canção - que ora parece um hino, ora um mantra - me faz melhor enxergar: Maior que a pessoa é o seu feito. Que este trabalho promova o bem! Este era o ponto primordial! :)

 

HOMO SAPIENS

Enquanto pequenos homens reagem
Grandes homens preferem a ação
Enquanto pequenos homens só debatem
Grandes homens tomam uma decisão

Enquanto pequenos homens acumulam
Grandes homens querem repartir
Enquanto pequenos homens ordenam
Grandes homens dominam a arte de pedir

Às vezes grande, às vezes pequeno
Dia a dia procurando ser
Menos que a vida
Mais que o medo
Menos que a morte
Mais que o eu mesmo

Enquanto pequenos homens duvidam
Grandes homens botam sua fé
Enquanto pequenos homens lamentam
Grandes homens movimentam a maré

Enquanto pequenos homens se escondem
Grandes homens apontam a saída
Enquanto pequenos homens se matam
Grandes homens defendem o valor da vida

Às vezes grande, às vezes pequeno
Dia a dia procurando ser
Menos que a vida
Mais que o medo
Menos que a morte
Mais que o eu mesmo

Foto de Anaryá Mantovanelli

Capítulo 18: Por dentro da canção "Nos Passos da Rosa"

22 de março de 2016

 

Enquanto alguns cantores vêm ensurdecendo a humanidade com gritos, melismas em demasia, caras e bocas nervosas, total descaso com a essência da canção, o Brasil tem uma cantora que vai na contramão disso tudo, o nome dela é Rosa Passos. 
A primeira vez que a ouvi foi lá pelos anos 90, pelo rádio, com sua versão de Águas de março… fiquei encantada! Lembro que pensei: Que voz é essa? Que timbre delicioso! Que liberdade na maneira de dividir os fraseados! 
Eu estava começando a estudar canto na ULM, era uma novata, mas já pude reconhecer qual trilha eu iria percorrer, que passos eu iria seguir… Foi ouvindo seus discos que tive contato com obras belíssimas da música brasileira em versões luxuosas! Foi com ela que aprendi a cantar bossa nova, samba, a dividir, a valorizar a dinâmica e seus pianíssimos, a usar a força da delicadeza que expressa o respeito e o amor à Música e ao ato de Cantar. Como eu, muitos cantores foram inspirados e formados por essa mestra da canção e a grandiosidade da Música Brasileira se deve muito a Rosa Passos!
Foi então que, depois de muitos anos na estrada, tive a oportunidade de enviar o disco “Outras mulheres" pra ela. Minha alegria foi enorme quando ela generosamente respondeu com elogios que muito me emocionaram e me fizeram perceber que eu estava naquela trilha que eu havia determinado... Posteriormente, ela mais uma vez me surpreendeu com um vídeo na qual mencionou meu trabalho com o Alex Maia na canção “A linha e o linho” e desde então ela passou a nos chamar de Afilhados. Esse carinho foi algo grandioso para nós! No nosso país não é muito comum um artista do porte da Rosa Passos olhar para novos artistas que estão surgindo e dar atenção a eles, incentivar, destacá-los, ao contrário, a visão comum é a de olhar só para si, batalhar sua própria carreira, se colocar distante e inacessível. Mas, como disse no início, Rosa Passos vai na contramão, age de modo diferente, segura de seu potencial e de sua missão, tem o poder das flores de encantar as pessoas e o poder das grandes estrelas de ILUMINAR e abrir a estrada para todos que estão dispostos a, como ela, fazer a Música do Coração! 
Eu, ainda aprendiz, sigo os passos dessa Rosa e, coincidentemente, no ano de comemoração dos 35 anos de sua carreira, a homenageio no disco SORRIA com esta canção:

 

NOS PASSOS DA ROSA

Fina pétala
Cada canto dessa flor
Exala delicadeza
Sussura a força do amor

Toca, acorda
Harmoniza o coração
Deita ao pé do ouvido
E desabrocha uma canção

Defronte a uma roseira
Quem pode reclamar
Dos espinhos da paixão

Quem ouve o canto da Rosa
Só quer caminhar
Nos passos da inspiração

Capítulo 19: Por dentro da canção "Poema do amor novo"

06 de abril de 2016

 

Quem diz que a tecnologia nos desumaniza ou que a internet prejudica as relações sociais não sabe de nada. Não sabe que nessa vida tudo tem seu lugar, sua hora, sua precisão e que até água demais faz mal. 
Foi numa rede social que tive contato com uma poeta de marca maior. Uma mulher sensível, amável, generosa, belíssima para quem vê e para quem sente. O nome dela é Giselle Maria.
Desde que nos tornamos amigas no facebook vinha acompanhando suas publicações. Em meio à correria do dia a dia, às notícias sem novidades, às “selfish-selfs”, ao marketing digital, minha linha do tempo era premiada com um belo poema, de sua autoria ou de outrem, que logo me levava pra longe de tudo, para perto das coisas simples, para a grandeza de mim mesma. 
A poesia serve para isso. O poeta não se encontra na realidade, nos afazeres, nas contas a pagar. Apesar de viver e figurar à paisana nesse mundo, guarda dentro de si um portal para as coisas eternas, preciosas, insignificantes e quando materializa um verso é que se sente verdadeiramente rico e vivo.
Certo dia, um dos poemas que a Giselle publicou me arrebatou, me levou a “praias antigas guardadas em mim”, revelou paisagens que logo se tornaram sonoras… Li o poema umas 3 ou 4 vezes e na quinta já o estava cantando, transformando os versos poéticos em canção.
Adoro fazer isso. Adoro as palavras. Minha música deriva e ruma para elas… Nem todo poema quer virar música, mas tem alguns que parecem estar aguardando ansiosamente o momento de viajarem nas alturas, embalarem-se em semínimas, colcheias, semibreves, para, em breve, eternizarem-se em tudo quanto é canto!
Assim foi com “Poema do amor novo"! Vida eterna aos versos de Giselle Maria!

POEMA DO AMOR NOVO
(Giselle Maria e Carol Andrade)

Que me venha esse amor
Com ares de festa
Brilho e frestas
Por onde passe seu calor
Que me renove num beijo
Num salto num desejo
De praias antigas guardadas em mim

Me traga chuvas de março
Me recomponha os pedaços
Pelo seu próprio fim
Me queime a pele, me doa os órgãos
Me mate a sede
Um riso de graça
Paixão é o que passa
Amor até o fim

Capítulo 20: "Saudação"

11 de abril de 2016

 

Que felicidade!!! Os CDs chegaram!!!!
Mil cópias dos belíssimos arranjos de Alex Maia, meu parceiro, meu amor, um mago do violão que dá asas às minhas canções!
Mil cópias dos sons divinais dos brilhantes músicos Johnny Frateschi, Rafa Clarim e Vlad Rocha!
Mil cópias do trabalho cuidadoso e minucioso de dois excelentes profissionais do áudio, Adonias Souza Jr e Homero Lotito!
Mil cópias do olhar sensível e iluminado da fotógrafa Anaryá Mantovanelli e do bom gosto e excelência do designer gráfico Erich Favalli!
Mil cópias da sublime resenha de uma das maiores cantoras do mundo e a Madrinha mais generosa e carinhosa que um artista que está construindo sua carreira pode (e precisa) ter, a querida Rosa Passos!
Saúdo e reverencio essas nobres pessoas e tantas outras que apoiaram ou estiveram na torcida e foram fundamentais para essa realização! A vocês, manifesto minha eterna gratidão e o desejo de que essas mil cópias - do que há de mais verdadeiro e iluminado em mim - toque cada coração que levar o seu SORRIA para casa e promova milhões de luminosos sorrisos!!! :)

 

SAUDAÇÃO

Saúdo o dia
Saúdo a noite
Sem me esquecer de saudar a tarde
Salve o céu
Sol e lua
Astros e estrelas 
Palco aberto das cidades

Saúdo o verde
Saúdo a vida
Só não posso saudar a morte
Salve a Natureza
Rochas e vales
Terras e mares
Minha força vem
Da sua grandeza 

Salve, Salve!
Não me canso de saudar 
Salve a alegria
Salve a saúde 
Minhas armas pra lutar

Salve, Salve!
Salve só quem em faz bem
Salve quem fica
Salve quem parte
Até saúdo saudade

Lindos dias de SORRIA!

Hoje é dia 6 de julho de 2016.

Dia ensolarado do inverno paulistano. Um dia parecido com o primeiro capítulo desse diário. De inverno a inverno, após uma longa caminhada, o cenário é outro: o disco SORRIA foi lançado e está em todas as plataformas digitais sendo ouvido por pessoas do mundo todo. Canções do disco já foram tocadas em rádio e TV e o álbum tem recebido excelentes críticas de importantes jornalistas. Recebo frequentemente relatos emocionantes de pessoas encantadas com o disco! Já fiz três shows de lançamento maravilhosos! Neste fim de semana tem mais um, para o fim deste mês mais outros e tenho trabalhado dia a dia para fechar mais shows em todos os cantos do Brasil e do mundo. 

É bonito ver o resultado do trabalho sincero e consistente. É bonito ver a árvore dando flores e frutos! É importante não esquecer que ela já foi semente...

Este diário não acaba aqui. Enquanto houver vida, música, poesia, sorrisos... Terei muita história pra cantar!

p.s: Estou sempre compartilhando as novidades e impressões sobre a minha trajetória na minha página no facebook. É só clicar no link abaixo e estaremos conectados por lá! Desejo lindos dias de SORRIA! :)

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